Doação de corpos auxilia na formação acadêmica de cerca de 1 mil alunos da UFSM

Doação de corpos auxilia na formação acadêmica de cerca de 1 mil alunos da UFSM

Foto: Nathália Schneider (Diário)

Mesmo após a morte, ainda é possível contribuir com a ciência. Isso porque, ao invés de ser enterrado ou cremado, o corpo pode ter outro destino: a universidade. Na instituição, os estudantes utilizam os cadáveres nas aulas de anatomia humana. Os corpos que chegam no Departamento de Morfologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), por exemplo, auxiliam na formação acadêmica de cerca de mil alunos por ano.

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O Programa de Doação Voluntária de Corpos da UFSM foi criado em 2016 para auxiliar os interessados e conscientizar a comunidade. Desde então, já foram feitas 11 doações. Além destes, há peças mais antigas, o que totaliza cerca de 30 corpos para estudos.

– Desde que o programa foi implantado, tivemos um facilitador para as pessoas que têm intenção de doar o próprio corpo pudessem fazer isso de uma forma mais tranquila. Criamos formulários, baseados em outros programas. A pessoa ou a família preenche e fica registrado. Isso facilita no registro de óbito porque no cartório, quando a certidão é lavrada, no local em que vai escrito local de sepultamento ou cremação, será colocado que foi doado para a UFSM – explica Carlos Eduardo Seyfert, professor do Departamento de Morfologia e coordenador do Programa de Doação Voluntária de Corpos da UFSM.

A doação pode ser feita em vida, pela própria pessoa, ou após o falecimento, pelos familiares. Em ambos os casos, é necessário preencher uma declaração que indica a vontade de doar o corpo. Na UFSM, além das contribuições feitas nos últimos anos, outras 35 pessoas já indicaram a intenção de destinar o cadáver para a instituição após a morte.

– Para que a doação seja concretizada, o mais importante é a conscientização da família. Não adianta eu querer doar e minha família não querer depois. Se não tivermos a renovação desse material, que é escasso e nobre, não conseguiríamos mostrar como é o corpo para os estudantes, que não vão poder aplicar isso na profissão. A renovação do acervo do departamento é extremamente relevante por conta disso, prestamos um serviço grande para a sociedade. O que percebemos é que a sociedade nos devolve isso de forma altruísta ao doar sem a mínima intenção de obter alguma vantagem, e para ajudar na área da saúde e na formação dos futuros profissionais – relata o professor.

Quais corpos podem ser doados para estudos?

Qualquer pessoa maior de 18 anos pode doar o corpo (no todo ou em parte) para estudos na UFSM. Não há nenhuma contraindicação relacionada a doenças. A retirada de órgãos para doação pode ser feita antes do corpo ser destinado para a universidade. A doação é voluntária e não há qualquer tipo de remuneração.

Porém, existem exceções. Não são aceitos corpos que sofreram morte violenta, crime ou suicídio. Estes cadáveres são submetidos a necropsia e devem estar disponíveis para exumação, caso necessário.

Além das doações voluntárias, cadáveres não reclamados, ou seja, que não foram identificados ou procurados por responsáveis, são destinados pelo Instituto Geral de Perícias (IGP) para estudos após 30 dias.

Foto: Nathália Schneider (Diário)

Saiba como doar

  • A declaração de doação voluntária do corpo está disponível no site da UFSM e ao final desta matéria
  • O documento deve ser preenchido em três vias: uma é entregue diretamente no Departamento de Morfologia da UFSM e as outras duas ficam com o doador/ família
  • É importante que a pessoa converse com os familiares sobre a decisão pois, após a morte, é a família que vai concretizar a doação
  • Se a pessoa manifestou interesse em destinar o corpo para a universidade, mas não formalizou a vontade, os familiares podem preencher, em três vias, a declaração após o falecimento e entregar no Departamento de Morfologia
  • O departamento emite uma declaração de aptidão ao doador ou família após receber a declaração
  • Após o óbito, a família deve juntar a declaração de doação do corpo, o atestado de corpo, dirigir-se a uma funerária e fazer contato com o departamento da UFSM
  • O custo do transporte entre a funerária e a UFSM é pago pela família
  • Quando o departamento recebe o corpo, emite a declaração de recebimento do corpo
  • A família do doador deve registrar o óbito em um cartório com os seguintes documentos: declaração de doação voluntária do corpo, atestado de óbito e declaração de recebimento do corpo
  • O cartório de Registro Civil emite a certidão de óbito: a via original deve ficar em posse da família do doador e pelo menos uma cópia com o departamento da UFSM

Departamento de Morfologia da UFSM

O preparo do corpo e os estudos

Após a chegada no Departamento de Morfologia da UFSM, o corpo passa pelo processo de fixação, quando os técnicos injetam formol para evitar a decomposição. Na sequência, o cadáver permanece sem uso durante seis meses para que o produto químico penetre nos tecidos e conserve a estrutura adequadamente.

Depois dos seis meses, o corpo já começa a ser utilizado nas aulas de anatomia humana. A dissecação (exposição da estrutura com cortes e outros métodos que permitem a visualização interna) é feita após o primeiro contato dos estudantes com os cadáveres em sala de aula.

– Trabalhamos inicialmente com anatomia de superfície. Uma boa parte dos corpos que chegam são utilizados em aula, mas não estão dissecados. Depois, tiramos a primeira camada, a pele, e estudamos vasos superficiais. Se formos um pouquinho mais afundo, chegamos nos músculos, e um pouco mais, nos órgãos internos. Vamos nos aprofundando no trabalho com o corpo ao longo do tempo. Os vasos superficiais, por exemplo, são muito frágeis e, à medida que vão sendo utilizados, vão arrebentando, o que é natural do uso. Então, quando não serve mais para vaso, usamos para músculos, quando não serve mais para músculo, abrimos o corpo, as cavidades e estudamos o que tem dentro. A partir do momento que não temos mais como utilizar, o corpo é enterrado – comenta Seyfert.

Foto: Nathália Schneider (Diário)

Durante as aulas, os corpos são colocados em mesas e os alunos, em grupo, fazem um rodízio para analisar e identificar todas as estruturas. O estudante do segundo semestre de Medicina, José Eduardo Vargas Rigo, 18 anos, conta que a partir do estudo com a peça humana é possível ter mais percepção sobre a prática da profissão futuramente:

– Uma coisa muito boa do laboratório é justamente esse contato com o material biológico, porque estudar com as peças sintéticas ou com o atlas não é a mesma coisa. Esses materiais são apenas uma representação, quando vemos na prática conseguimos ver como realmente é, encontramos variações e coisas que, provavelmente, vamos encontrar em cirurgias e na vida clínica. Também exploramos e criamos um olhar tridimensional para essa imagem anatômica – diz José Eduardo.

Além de Medicina, outros 11 cursos da UFSM também utilizam os corpos humanos do Departamento de Morfologia, e outras duas graduações fazem estudos com cadáveres de animais no local.

Como é feita a conservação e por quanto tempo é possível utilizar o corpo?

Para preservar o corpo, é necessário adotar técnicas de conservação. Devido a toxicidade do formol, o professor Carlos Eduardo explica que outros métodos são empregados no departamento:

– O formol fixa o corpo para os tecidos não estragarem e depois disso o corpo é imerso em outras soluções. Uma salmoura, água com sal, já é o suficiente para conservar o corpo, mas temos outras soluções de mistura de produtos químicos que usam glicerina e ácido bórico, por exemplo.

Não há um tempo determinado de duração do corpo porque isso está relacionado a manipulação e deterioração da estrutura. Mas, em média, os cadáveres costumam ser utilizados durante quatro a cinco anos.

Peças cadavéricas x sintéticas

Na UFSM, a maioria das peças são cadavéricas. Os materiais sintéticos são empregados para estudos específicos, como do sistema nervoso central, por exemplo, em que são manuseados cérebros de plástico.

– O cérebro é uma estrutura bem frágil. Foi interessante na aula porque os professores colocaram o cérebro dentro de uma caixa transparente e trabalhamos apontando o laser. Então, ficamos olhando e comparando a peça sintética com a anatômica – fala o estudante José Eduardo.

Foto: Nathália Schneider (Diário)

O professor Carlos Eduardo indica que a manipulação dos cadáveres faz com que as peças estraguem ao longo do tempo. A peça sintética auxilia nesse sentido, mas não consegue suprir todas as necessidades relacionadas às variações dos corpos humanos:

– As peças sintéticas auxiliam bastante, mas não mostram as alterações de trajeto de um vaso ou uma estrutura, que são muito relevantes na profissão médica. A peça sintética é sempre igual. Aqui, por exemplo, temos veias com trajetos distintos em cada um dos corpos. Para o aluno observar, isso é extremamente importante visto que podem se deparar no meio de uma cirurgia com um vaso que não deveria estar naquele lugar e acabou aparecendo naquela região. As variações anatômicas são muito grandes no corpo humano e as peças sintéticas não suprem essa necessidade – detalha o professor.

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